quarta-feira, 1 de julho de 2009

Filosofia no Vestibular?



A Filosofia já despertou e continua despertando o interesse de várias instituições educacionais. Há municípios e até estados inteiros que fizeram da Filosofia uma disciplina obrigatória nas escolas de sua abrangência. Há também muitas escolas particulares que já implantaram a Filosofia não só no ensino médio, mas também em todo o ensino fundamental. Contudo, essa busca repentina pela Filosofia é preocupante, pois, se ela for fruto de um "modismo educacional", corremos sério risco de a vermos, em breve, excluída dos projetos das escolas. Se a Filosofia for implantada sem que a escola tenha clareza das potenciais contribuições da mesma e não buscar as condições para que essas sejam desenvolvidas, provavelmente a disciplina de Filosofia não terá o encanto dos alunos, que é próprio de alguém que começa entender o mundo ou entendê-lo de uma forma diferente.
Se a implantação da Filosofia não for feita com base em critérios claros, haverá um agravante: a Filosofia terá muito mais inimigos do que se não tivesse sido implantada e a escola perderá uma excelente oportunidade para formação de sujeitos críticos e criativos, capazes de escutar os outros, de construir uma opinião própria, de argumentar coerentemente, de distinguir entre bons e maus argumentos e de aprender a respeitar os outros independentemente de normas impostas de fora. Nesse sentido, discutir alguns aspectos básicos que devem ser levados em conta para a implantação da Filosofia nas escolas é o objetivo central desse estudo. As observações que aqui serão apresentadas têm como pressuposto o contexto histórico-educacional atual no qual a Filosofia ainda não é obrigatória. Sabe-se que, no Brasil, a nova Lei de Diretrizes e Bases da educação sugere a Filosofia como disciplina que pode fazer parte do núcleo das disciplinas complementares (?), mas não a torna obrigatória nas escolas. Há alguns estados, como o de Santa Catarina, Mato Grosso do Sul(?)..... que foram mais longe do que a simples sugestão da LDB tornando a Filosofia uma disciplina obrigatória.

1. O que se entende por Filosofia

Ao se cogitar a possibilidade de implantação da Filosofia em determinada instituição escolar, deve-se antes de mais nada ter clareza sobre o que se entende por Filosofia, quais seus alcances e no que ela pode contribuir na formação dos alunos. Da mesma forma que qualquer disciplina ou projeto implantado nas escolas, também a Filosofia, para ser implantada, precisa ser pensada com determinadas finalidades. Se não houver uma clareza quanto às suas contribuições no processo educacional e no desenvolvimento da aprendizagem dos educandos, certamente haverá um esvaziamento de sentido quanto ao seu lugar dentro da escola e, consequentemente, um abandono espontâneo da Filosofia na escola será inevitável. Nesse sentido, é fundamental que antes da implantação da Filosofia nas escolas haja uma clareza sobre o seu significado e alcances, de forma que aquele possível esvaziamento de sentido não ocorra.

2. A Filosofia não deve ser fruto de um modismo

A opção pela implantação da Filosofia em determinada escola não deve ser fruto de um modismo educacional. Há várias escolas que acrescentaram a disciplina de Filosofia em seus currículos e vem obtendo resultados surpreendentes quanto ao nível de desenvolvimento do raciocínio crítico, reflexivo e investigativo dos alunos conquistando um alto nível de satisfação da comunidade escolar. Tal experiência, principalmente em escolas particulares, tem sido utilizada como um dos aspectos de destaque de propagandas institucionais, o que per si não representa problemas. Entretanto, por ser um grande atrativo para tais escolas, outras também podem querer implantar a disciplina por uma questão de mercado. Se a razão para a implantação da Filosofia for pura e simplesmente mercadológica, sua presença na escola pode significar um grande deserviço. Não havendo clareza sobre o verdadeiro significado da Filosofia e dos pressupostos necessários para que possa contribuir no desenvolvimento de determinadas habilidades, sua implantação certamente significará um "feitiço que se vira contra seu feiticeiro", ou seja, o que deveria servir de atração pode vir a ser uma repulsa institucional.
O grande sucesso que a Filosofia representa em determinadas escolas pode servir de fundamento para a implantação da Filosofia em várias outras escolas, sejam elas particulares ou públicas. Contudo, se ela for implantada com o raciocínio de que sua presença na escola se justifica pelo fato de que as melhores escolas da cidade têm Filosofia e não houver uma preocupação em implantá-la com uma proposta e objetivos claros, então o efeito poderá ser desastroso. A Filosofia não pode ser implantada por uma questão de moda, ou seja, não pode ser implantada pelo fato de que várias escolas, consideradas excelentes, a implantaram e que por essa razão ela também deve ser implantada nessa e naquela escola. Em geral, a moda da mesma forma que aparece também desaparece. Contudo, sabe-se que há modas que ficam, mas a permanência da Filosofia não deveria ser fruto de um modismo que deu certo. Ela deveria ser implantada com objetivos claros e garantir sua permanência por essas razões e não por causa de uma onda de momento. Se o argumento for pura e simplesmente o de que a Filosofia deve ser implantada porque várias outras instituições a implantaram, é necessário dizer que isso não justifica a presença da Filosofia na escola e que essa é uma boa razão para não implantá-la.

3. A Filosofia como parte da proposta de escola

A implantação da Filosofia não deve ser fruto da vontade isolada de uma ou algumas pessoas da comunidade escolar nem deve ser uma simples forma de mostrar serviço por parte da coordenação ou direção da escola. Há quem pensa que trazer a Filosofia para a escola pode ser uma excelente oportunidade para marcar gestão. Se for essa a razão pela qual se busca a Filosofia, então é oportuno dizer que o argumento oposto também é válido, ou seja, de que essa é uma excelente razão para não implantá-la, pois a presença da Filosofia na escola deve ser fruto de um processo democrático baseado em boas razões e não de uma prática autoritária.
A implantação da Filosofia deve ser resultante de um processo discursivo onde haja espaço para a manifestação de desejos e preocupações de forma que a opção seja decorrente de um amadurecimento no nível das discussões. A opção favorável à implantação da Filosofia deve ser uma proposta da escola e culminar, oportunamente, com a sua inserção no Projeto Político Pedagógico. A participação de todos os membros da comunidade escolar é imprescindível para que a proposta possa ser caracterizada como autônoma. Havendo a participação de todos no processo de escolha pela Filosofia, por uma questão de coerência é necessário o envolvimento de todos para que a proposta tenha êxito.

4. A Filosofia desde educação infantil

O trabalho de Filosofia, principalmente no ensino fundamental, está voltado basicamente para o desenvolvimento de determinadas habilidades, como a habilidade de investigação, de tradução, de raciocínio e análise, e de formulação de conceitos. Dentro do programa de Filosofia com crianças, tais habilidades são desenvolvidas mediante diferentes enfoques investigativos. Na educação infantil (pré-escola) trabalha-se basicamente a investigação imaginativa e criativa; na 1ª e 2ª séries, dá-se uma ênfase à investigação conceitual; na 3ª e 4ª séries, os estudos da Filosofia são orientados para a investigação analógica; na 5ª e 6ª séries, trabalha-se mais especificamente com a investigação lógica; e na 7ª e 8ª séries abre-se um espaço específico para a investigação ética. Essa é a estrutura pensada por Lipman para o trabalho da Filosofia no ensino fundamental.
Contudo, há comentários e opiniões diferentes sobre o trabalho de Filosofia com crianças. Para a grande maioria dos professores que trabalham ou já trabalharam com a Filosofia na educação infantil ou em séries iniciais, a Filosofia deve mesmo começar desde a educação infantil; os resultados que vêm alcançando são muito animadores, quando comparados a turmas que não tiveram esse trabalho, e acreditam que as crianças estão mesmo aprendendo a pensar melhor, a ouvir e respeitar a opinião dos colegas, a buscar razões para seus juízos etc. Para alguns professores que trabalham na educação infantil ou em séries iniciais, a Filosofia só deveria ser implantada partir da quinta série justificando sua posição com base na afirmação de que as crianças até a quarta série têm uma dificuldade muito grande de concentração.
Em relação a isso, vale observar que essa não é uma forte razão para não permitir o acesso das crianças à Filosofia, uma vez que isso não é um problema exclusivo das aulas de Filosofia e sim um problema pedagógico; se as crianças não conseguem se concentrar em torno de um determinado tema, objeto da discussão filosófica, certamente também não têm capacidade de concentração nas outras atividades propostas. Aliás, as aulas de Filosofia podem ser um excelente espaço para exercitar a capacidade de concentração dos alunos. Nesse sentido, se a falta de concentração fosse um argumento válido para negar a Filosofia aos alunos do currículo, isso também teria que ser válido para qualquer outra atividade exercida que exige concentração.
Há também opiniões que defendem a idéia de que a Filosofia só deveria ser implantada no 2º grau. Entretanto, há uma necessidade de se trabalhar várias habilidades com as crianças desde as séries iniciais para que, quando chegarem no 2º grau, possam buscar um maior grau de profundidade. Um jogador de futebol que é treinado desde pequeno para tal finalidade certamente tem muito mais habilidade do que aquele que começa a jogar no período em que estiver no segundo grau. Onze ou doze anos de desenvolvimento de habilidades trarão melhores resultados do que dois ou três anos de atividades para desenvolvê-las.

5. A exigência de profissionais qualificados

Uma das grandes preocupações das escolas que querem implantar a Filosofia deve ser com a formação e qualificação dos profissionais que irão assumir essa disciplina. Os cursos de licenciatura em Filosofia em geral não têm se preocupado muito com a formação de bons professores de Filosofia. Até bem pouco tempo atrás (menos de meia década), vários cursos de graduação em Filosofia no Brasil tinham seus currículos voltados especificamente para o bacharelado abrindo a possibilidade do acadêmico fazer mais algumas disciplinas pedagógicas e uma de prática de ensino (estágio supervisionado) que concedia também o título de licenciado em Filosofia. Os acadêmicos faziam o bacharelado e, quem quisesse, poderia fazer mais algumas disciplinas e um estágio de no mínimo 60h/a consquistando, assim, o direito ao título de licenciado. Essa forma de obter a licenciatura revela uma despreocupação com a formação de bons professores de Filosofia, o que a própria legislação permitia, pois estabelecia-se uma cisão entre o domínio do conteúdo filosófico e a prática do ensino de Filosofia. Ou seja, depois de terem um certo domínio do conteúdo e da tradição filosófica, era oferecida aos acadêmicos a oportunidade de fazerem, de forma isolada, a licenciatura em Filosofia, que não exigia mais do que um ano de atividades.
As novas Diretrizes Curriculares fixadas pelo Conselho Nacional de Educação determina que em todas a licenciaturas os conteúdos e atividades práticas relativas ao ensino sejam distribuídos na grade curricular ao longo do curso, além de aumentar significativamente a carga horária mínima exigida no que tange às disciplinas ligadas ao ensino. Se antes se exigia uma carga horária de 180? .......... horas destinadas a disciplinas pedagógicas mais 60h/a para o desenvolvimento da prática de ensino (estágio supervisionado), agora exige-se 400 h/a em disciplinas pedagógicas e 400? ........... h/a em forma de prática de ensino.
Contudo, se por um lado as exigências das Diretrizes Curriculares Nacionais obrigam os cursos de licenciatura a reestruturarem seus currículos e abrirem maiores espaços para a formação de professores, o que certamente implicará melhorias se as universidades aproveitarem bem esses espaços exigidos, por outro, tem-se muitos profissionais que não tiveram a mesma sorte e carregam as conseqüências da formação propiciada ao longo do seu curso de licenciatura. Na Filosofia, para piorar a situação mais ainda, há uma carência de profissionais que tenham habilitação específica nessa área para assumir os espaços que se estão abrindo nas escolas. Eis aí um grande problema: como dar conta da carência na formação dos profissionais licenciados em Filosofia e como preencher as vagas que estão se abrindo nas escolas?
Uma das alternativas é oferecer cursos a nível de Especialização que dêem uma ênfase à metodologia do ensino de Filosofia. Uma outra alternativa é oferecer-se cursos de capacitação de professores para o desenvolvimento do trabalho de Filosofia nas escolas. Contudo, outra questão que se põe é: como fica a formação de professores que não têm graduação específica em Filosofia? É dispensável a graduação em Filosofia se houver cursos de pós-graduação em metodologia do ensino de Filosofia ou mesmo cursos de capacitação de professores para desenvolver o trabalho de Filosofia nas escolas?
A resposta a esses questionamentos é simples. O ideal é que os profissionais que irão assumir o trabalho nas escolas tenham formação específica em Filosofia e façam, na medida do possível, um curso de pós-graduação voltado ao ensino da Filosofia ou mesmo cursos de capacitação voltados a esse fim. Contudo, na falta de profissionais com formação específica ou mesmo pela dificuldade de contratação de novos professores em escolas que estão com seu quadro docente completo, uma das alternativas é buscar cursos de capacitação que possibilitem o desenvolvimento do trabalho de Filosofia nas escolas a partir dos profissionais que já fazem parte do quadro docente. Cabe ressaltar, porém, que essa alternativa é mais viável no trabalho da Filosofia no Ensino Fundamental e que pressupõe disponibilidade e interesse por parte do profissional para buscar novos conhecimentos nessa área.
Na educação infantil e nas séries iniciais é mais aconselhável que o próprio professor do currículo, com devida preparação prévia, trabalhe a disciplina de Filosofia com as crianças, pois, por mais que se faça um curso de Licenciatura em Filosofia, o mesmo, em geral, não prepara o profissional para o trabalho de Filosofia com crianças até a terceira ou quarta série. O mais aconselhável nesse caso é capacitar professores com formação em Educação Infantil e Séries Iniciais para desenvolver esse trabalho. O trabalho de Filosofia nessas séries exige uma metodologia específica para despertar o interesse e manter os alunos concentrados em torno de um problema objeto de investigação. Para isso, os professores devem dinamizar o máximo suas aulas mediante o uso de técnicas e dinâmicas bem diversificadas. O desenvolvimento de aulas dinâmicas é fundamental para que a Filosofia seja algo atrativo, desperte o interesse e a concentração dos alunos. Entretanto, deve-se ter o cuidado para que o desenvolvimento de dinâmicas não se torne uma atividade-fim da aula de Filosofia e, sim, um meio pelo qual se conquiste o interesse dos alunos para discutir determinado problema de uma maneira filosófica.
Da quinta série em diante, o ideal é que o trabalho da disciplina de Filosofia seja desenvolvido por um profissional com formação específica pelo nível de conhecimentos e aprofundamento teórico exigido. É certo que um professor de outra área pode se preparar bem e buscar os conhecimentos mínimos necessários para desenvolver o trabalho de Filosofia de 5ª à 8ª série. Contudo, ressalta-se que essa busca precisa ser feita. É abominável a prática de passar a disciplina de Filosofia para professores do quadro docente que não estão com sua carga horária completa, pois, nesse caso, a motivação para trabalhar a disciplina não será a própria disciplina e, sim, o fechamento da carga horária. A prática nos mostra que, em tais situações, os docentes não se sentem motivados e deixam a desejar no desenvolvimento da disciplina.
A partir do segundo grau, parece imprescindível que as aulas de Filosofia sejam desenvolvidas por profissionais com formação específica na área, pois o domínio dos grandes problemas e da tradição filosófica é um pressuposto para que o professor possa desenvolver, com os alunos, reflexões e discussões bem mais aprofundadas do que no ensino fundamental, ou seja, reflexões e discussões dignas para alunos do ensino médio. Isso pressupõe um amplo conhecimento da tradição filosófica por parte do professor, o que é um dever dos cursos de graduação em Filosofia proporcionar.

6. A Filosofia e o vestibular

Há várias universidades estudando a possibilidade de inserir conteúdos de Filosofia em suas provas de vestibular. Esse movimento está causando um efeito em várias escolas de ensino médio que ainda não tem a disciplina de Filosofia em suas grades curriculares. Tais escolas já estão verificando a possibilidade de implantar a Filosofia buscando se antecipar em relação a outras escolas mediante a atualização de suas grades curriculares buscando uma formação mais completa para seus alunos que em seguida farão provas para ingressar na universidade.
A inclusão da Filosofia no vestibular tem um aspecto positivo e um negativo. O aspecto positivo é que a Filosofia é uma área que exige um amplo conhecimento geral e aguçado raciocínio para solucionar determinados problemas. A Filosofia é uma área do conhecimento que não permite grandes decorebas ou uso de macetes para solucionar problemas. Esse é uma das grandes contribuições da Filosofia no vestibular, pois os macetes e a decoreba não provam conhecimento algum. A presença da Filosofia no vestibular pode ser uma boa oportunidade para avaliar os candidatos pela capacidade de raciocínio, pois é muito mais valioso saber raciocinar e pensar bem do que possuir um grande conjunto de informações acumuladas, mas não saber utilizá-las para a construção do conhecimento.
O aspecto negativo da inclusão da Filosofia no vestibular é o fato de que várias escolas só implantarão a disciplina de Filosofia em suas grades curriculares pelo fato de ser conteúdo de vestibular. É lastimável ter de admitir que várias escolas só darão a importância à Filosofia porque ela será inserida no vestibular. Além disso, a obrigatoriedade da Filosofia nas escolas, fundamentada pela sua inclusão no vestibular, fará com que ela (a Filosofia) perderá seu encanto natural. Da mesma forma que ela será incluída em várias escolas por causa do vestibular, também muitos alunos verão sua importância e se dedicarão a ela apenas por causa do vestibular. Essa não deveria ser a forma pela qual a Filosofia devesse merecer importância, mas talvez uma forma diferente de possibilitar o acesso dos jovens à Filosofia e usufruírem de suas inigualáveis contribuições para o desenvolvimento de determinadas habilidades.
Se o objetivo de incluir a Filosofia no vestibular for o de fazer o aluno decorar mais um conjunto de informações, então a inclusão da Filosofia no vestibular é um de serviço para a própria Filosofia. A Filosofia deve ajudar a desenvolver habilidades e, a sua presença no vestibular, deve avaliar o domínio dessas habilidades por parte do candidato.

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